Saneamento indígena: Os verdadeiros donos desta terra estão esquecidos

Redação
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Foto: Divulgação

Fortalecer o saneamento dos povos originários deveria estar em qualquer planejamento, levando em consideração os quase dois milhões de indígenas que vivem em solo brasileiro, segundo o último Censo demográfico do IBGE. Entretanto encontramos uma realidade bem diferente, quando adentramos alguns territórios, observando indígenas vivendo em estado deplorável, sem uma estrutura básica aceitável para a vida humana. Não raro encontramos crianças e idosos, dividindo banheiros em péssimas condições, favorecendo o desenvolvimento de doenças e diminuindo a qualidade de vida de quem ali vive. Nesses bons anos em que trabalho com saneamento indígena, vi realidades de tirar o sono, como crianças que não puderam ser vacinadas devido às péssimas condições de higiene em que se encontravam e cacique de 103 anos que nunca tinha tido um banheiro em casa. O que será preciso acontecer, para que a atenção também esteja voltada para eles, os verdadeiros donos desta terra?  Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada Real investido em saneamento é possível gerar uma economia de, no mínimo, quatro Reais em saúde. Ou seja, a conta da prevenção sempre sairá mais barata.

Sabemos que, em áreas urbanas, algumas metas definidas pelo novo Marco Legal do Saneamento, que visam a universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta/tratamento de esgoto até 2033, já estão atrasadas e muitas pessoas ainda vivem em uma realidade inacreditável em pleno o ano de 2025. Para as comunidades tradicionais, o retrocesso é ainda maior. Algumas aldeias estão literalmente esquecidas e entregues à própria sorte, quando falamos de questões sanitárias. O Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS/Fiocruz) enxerga este cenário há bastante tempo e, desde 2009, busca melhorar um pouco a realidade dessas comunidades através de tecnologias sociais em saneamento ecológico.  O Comitê de Bacia Hidrográfica da Ilha Grande (CBH-BIG), por exemplo, instituição na qual também integro, desde 2011, aportou mais de R$3 milhões em prol do esgotamento sanitário adequado e tratamento de esgoto de comunidades tradicionais de Angra dos Reis e Paraty. Parecem cifras altas, e realmente são, mas precisaríamos de, aproximadamente, mais de R$ 12 milhões para sanarmos minimamente as questões sanitárias indígenas somente da região da Costa Verde do Rio de Janeiro.

A causa indígena tem pressa e os prejuízos vão além de questões humanitárias que já descrevi aqui. Os dejetos líquidos e sólidos, há anos jogados in natura no leito dos rios, impactam diretamente na qualidade da água consumida em todos os municípios onde aquele curso de água passa. Se considerarmos, por exemplo, que cinco famílias utilizam os cinco banheiros construídos na Aldeia Araponga, em Paraty, cerca de 3 milhões de litros de esgoto deixam de contaminar o ambiente. Levando em consideração que algumas aldeias estão localizadas em nascentes, os estragos podem ser maiores. Estamos correndo atrás do tempo perdido, inspirando o poder público, apresentando resultados e mostrando que é possível chegar nos lugares mais remotos. Principalmente quando trabalhamos junto com as comunidades, tornando os indígenas parte do processo, praticando uma escuta ativa, entendendo as suas necessidades e desenvolvendo um projeto que esteja dentro do que cada aldeia precisa. Infelizmente, todas as comunidades carecem de saneamento e, sem dúvida, temos o desejo de estar em todas, impulsionando o saneamento ecológico não somente da nossa região. Mas, como se diz por aí, abraçar o mundo não é possível. Alguns tentaram e não conseguiram. A boa notícia é que seguiremos firmes, trazendo cada vez mais referências positivas em prol dos verdadeiros donos desta terra e de nós, que chegamos um pouco depois.

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