Racismo religioso é analisado pelo subsecretário de Igualdade Racial de Campos

Redação
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Subsecretário de Igualdade Racial e Direitos Humanos, Totinho Capoeira (Arquivo)

A Igreja Nossa Senhora da Lapa, no Centro de Campos dos Goytacazes, foi recentemente alvo de invasão e depredação, em um dos episódios mais simbólicos da crescente onda de crimes contra templos religiosos no município. Mas o caso não é isolado. Segundo levantamento da Diocese de Campos, nos últimos cinco anos foram registradas ao menos 30 notificações de furtos e roubos a templos católicos em Campos e em cidades vizinhas do Norte e Noroeste Fluminense.

Além dos ataques a igrejas católicas, há denúncias recorrentes de ações criminosas contra terreiros e templos ligados às religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé. Os crimes incluem furtos, depredações e incêndios, muitas vezes acompanhados de ofensas e símbolos de ódio. Para lideranças religiosas, os ataques ultrapassam os limites da criminalidade comum e carregam marcas claras de intolerância e racismo religiosos. Estes temas são abordados em reportagens especiais do J3News (leia aqui) nesta semana (leia aqui).

Para o subsecretário de Igualdade Racial e Direitos Humanos de Campos, Totinho Capoeira, os ataques aos terreiros e templos de religiões de matriz africana têm raízes históricas e estruturais. Ele destaca que a maioria dos casos não é investigada com a devida seriedade, o que fortalece o ciclo da impunidade e do preconceito.

O subsecretário também alerta para a banalização de discursos de ódio que alimentam essas violências. “Quando uma liderança religiosa, política ou social naturaliza a demonização das religiões afro-brasileiras, ela colabora diretamente para que esses ataques aconteçam. Racismo religioso não é opinião, é crime”, enfatiza.


Esses crimes contra as comunidades de matriz africana são recentes ou têm histórico antigo em Campos?
Esses crimes já vêm acontecendo há muito tempo aqui em Campos. Os primeiros relatos contra comunidades tradicionais de matriz africana — conhecidas como terreiros ou casas de candomblé e umbanda — datam da década de 1970, quando já eram alvos de agressões, inclusive por parte de policiais. A partir dos anos 2000, com o avanço dos movimentos neopentecostais, os ataques se tornaram mais agressivos, saindo do campo subjetivo e passando a tratar as religiões de matriz africana como inimigas. Trata-se de uma prática de radicalismo, de fundamentalismo religioso, que distorce o próprio sentido da religiosidade e prega o ódio contra irmãos de outras confissões.


Como o senhor interpreta essas agressões do ponto de vista jurídico e social?
As leis devem ser cumpridas. O artigo 5º da Constituição garante a inviolabilidade da liberdade de culto, crenças e liturgias. A Lei nº 7.716 deve ser aplicada, pois torna imprescritíveis os crimes motivados por racismo. Podemos também enquadrar esses ataques como injúria religiosa, mas, na verdade, vejo como crime de ódio. E crimes de ódio devem ser punidos com prisão.


Existe diferença na forma como os ataques ocorrem contra diferentes religiões?
Sim, há uma diferença muito grande. Por exemplo, quando há depredações em templos de matriz judaico-cristã, muitas vezes se trata de saques ou roubos. Embora sejam crimes e profanações, nem sempre estão relacionados diretamente à intolerância religiosa. Já os ataques aos terreiros de umbanda e candomblé são movidos por ódio. As pessoas entram com o objetivo de destruir, de acabar com aquele espaço, e não para roubar. É uma violência direcionada, com intenção clara de intolerância e racismo religioso.


Os impactos desses ataques vão além da destruição física dos terreiros?
Vão muito além. Quando um terreiro é invadido, não é só o espaço que é quebrado. As pessoas são obrigadas a abandonar o local, muitas vezes são expulsas de suas casas, que também funcionam como espaços de tradição religiosa. Isso é muito grave, porque atinge o cotidiano, a vida e a espiritualidade de quem pertence àquela comunidade.


Há registros históricos de repressão às religiões de matriz africana na cidade?
Sim. Na década de 1970, por exemplo, o delegado conhecido como Belô invadia terreiros, fechava as casas e confiscava instrumentos sagrados. Com a fundação da Liga Umbandista Cristã, essa repressão diminuiu por um tempo. No entanto, a partir dos anos 2000, voltamos a ver invasões e agressões simbólicas, como o uso de sal e água benta na frente das casas, além de ofensas verbais e olhares intimidadores. Tudo isso caracteriza intolerância religiosa.


Em que momento o tráfico passou a agir contra os terreiros?
Por volta de 2014 e 2015 começamos a registrar a atuação do tráfico invadindo terreiros. Até 2023, computamos pelo menos 69 casas invadidas em Campos. As agressões variam desde a imposição de limites de horário para realização dos rituais até a expulsão dos líderes religiosos de seus próprios lares. Em alguns casos, o traficante determina quem pode ou não entrar no terreiro. É um controle absurdo sobre a vida espiritual e social das pessoas.


Os ataques têm mudado de perfil com o tempo?
Sim. Tivemos uma fase de repressão institucional, com o Estado invadindo os terreiros nos anos 70. Depois, vieram os ataques com respaldo em doutrinas religiosas neopentecostais. Em seguida, passou a ser o tráfico, com grupos que se autodenominam “traficantes de Jesus” e fazem parte de facções como o “Complexo Israel”. Mais recentemente, estamos registrando invasões por parte da milícia. Os últimos casos ocorreram no Farol de São Thomé e na região do Poço Gordo e São Sebastião.


Por que é tão difícil registrar boletins de ocorrência nesses casos?
A maioria desses terreiros funciona na casa dos próprios líderes religiosos — pais ou mães de santo, que chamamos de zeladores. Muitas vezes, quando sofrem ameaças, eles preferem se calar, porque têm medo. Há casos em que o traficante ou miliciano proíbe os rituais, mas permite que a pessoa permaneça na casa. Em outros, ocorre a expulsão. Sem garantias de proteção por parte da polícia ou da Justiça, essas vítimas não se sentem seguras para denunciar.


Há algum caso em que a Justiça tenha responsabilizado os agressores?
Sim. Em 2020, conseguimos, com apoio do FRAB (Federação de Religiões Afro-Brasileiras), prender um agressor em flagrante por injúria religiosa no Parque São Silvestre. O pai e a mãe de santo denunciaram, nós os acompanhamos à delegacia, e o agressor foi preso. Foi a primeira prisão por intolerância religiosa registrada em Campos.


O Poder Público tem adotado alguma medida efetiva para enfrentar esse problema?
Em Campos, conseguimos algumas conquistas. É o único município do país que indenizou famílias vítimas de invasão com aluguel social e programas de renda mínima. Também trouxemos para cá o Programa de Apoio aos Defensores dos Direitos Humanos, garantindo suporte emergencial para mudança de residência. Além disso, realizamos fóruns para discutir o tema, envolvendo representantes de diversas religiões e instituições.


Há outros casos recentes de prisão?

Sim, no ano passado, em São João da Barra, um homem foi preso após invadir um terreiro. As câmeras de segurança registraram a ação. Considerando que temos registros de ao menos 70 invasões desde a década de 1970, apenas duas prisões foram efetuadas. Isso mostra o quanto é difícil responsabilizar os agressores.


Como o senhor relaciona esses ataques ao racismo estrutural no Brasil? As religiões de matriz africana são manifestações culturais e espirituais da população negra. O racismo estrutural e institucional fomenta e legitima essas agressões, tornando essas comunidades ainda mais vulneráveis. É um problema que precisa ser enfrentado com políticas públicas de educação, segurança e garantia de direitos sociais.


Há alguma iniciativa recente voltada ao combate da intolerância religiosa em Campos?

Sim. No dia 28 de agosto, vamos realizar o Fórum Regional de Diálogo Interreligioso do Norte e Noroeste Fluminense, na Câmara de Vereadores. Estarão presentes representantes de várias religiões, como o babalaô Dr. Ivaninho dos Santos, o bispo Dom Roberto, além da Defensoria Pública, Ministério Público, OAB e movimentos sociais como o Fórum de Religiões Afro-Brasileiras, Movimento Negro Unificado e a Escola de Arte Mãos Negras. O objetivo é construir uma política pública que garanta efetivamente a liberdade religiosa.

O município tem algum canal para acolher denúncias de intolerância religiosa?
Sim, Campos criou o Disque Direitos Humanos, além de uma Coordenação de Atendimento a Vítimas de Intolerância Religiosa e Racismo, fruto das propostas do Fórum Municipal de Religiões Afro-Brasileiras e do Movimento Negro Unificado. São iniciativas importantes, mas ainda há muito a ser feito.

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